O #PartiuAcampar dá
sequência a série de matérias Longe de casa, contando a história de mais um
casal de viajantes brasileiros, que pegos de surpresa pela pandemia provocada
pelo Coronavírus fora do país, aguardam o fim do isolamento social para
retornarem ao Brasil.
O projeto da viagem, iniciado em 2014, pelo geógrafo André Jardim e sua
esposa, a geóloga, Julia Prates, levou os aventureiros a pegarem a estrada rumo
ao Uruguai, a bordo de uma Veraneio, que evidencia outra paixão do mineiro de
42 anos: o interesse por carros antigos.
“Nesta primeira experiência percorremos 8 mil quilômetros no período
de 28 dias. Vimos que dava certo e começamos a preparar a caminhonete que temos
atualmente para fazer uma viagem maior”, explica Jardim.
O carro, uma Picape Chevrolet 3100, comprada na década de 80, pelo
pai, fez parte da infância de André, que fazia passeios na companhia de amigos,
sentados em um banco de madeira, construído e colocado na carroceria do
automóvel por seu genitor, hoje com 81 anos. Entre as lembranças construídas a
bordo da caminhonete estão desde os passeios para tomar sorvete, até os muitos
carnavais vividos no interior de Minas Gerais, com mini bloquinhos montados na
caçamba decorada do veículo, que eram a grande diversão da garotada. “Eu,
particularmente, tenho uma ligação muito forte com este carro de 1951, que está
conosco atualmente e carinhosamente chamamos de Marylou”, acrescenta o viajante.
A pretensão de dar a volta ao mundo, conhecendo os cinco continentes,
tem como inspiração a família Zapp, argentinos que pegaram a estrada no ano de
2000, em um carro de 1928. “Vi uma reportagem sobre eles numa revista de
automóveis antigos e percebi que era possível por em prática nosso projeto. A
viagem narrada começou na Argentina com destino ao Alasca, percurso por onde
nasceram filhos do casal. Não que eu e a Júlia iremos ter filhos no meio desta
aventura, mas por querermos também mostrar o quanto este tipo de aventura pode
ser possível sem a necessidade de estar a bordo de um 4x4. O caminho é você
quem faz, e nós estamos aqui para comprovar isto”, acrescenta André.
Adaptações para a viagem
Para garantir conforto às horas de descanso do casal de viajantes, a
Picape ganhou um camper adaptado. Com tudo pronto, em dezembro de 2017, ambos
desligaram-se de seus empregos, venderam bens, incluindo o apartamento onde
residiam, para em maio seguinte terem recursos para iniciar a aventura. A saída
aconteceu de Belo Horizonte, com destino a diversas regiões do Brasil. Roteiro que
além de turístico, tinha o objetivo de testar o carro e sua estrutura antes de começar
o percurso internacional.
“A experiência que tivemos de viajar pelo nosso país, foi muito
enriquecedora. Com ela conseguimos perceber qual era nossa real necessidade
antes de alçar vôos mais distantes”, relembra André, sobre o período de 5 meses
que resultou na redução de 400 quilos da sua Marylou. Estrutura que mesmo diminuída
rendeu mais conforto, como a inclusão de um banheiro com chuveiro. “Temos toda
comodidade que uma casa possui, porém em um espaço de 4 metros quadrados. Tudo
muito simples. Bem minimalista, mas que nos permite viver normalmente dentro do
carro que se tornou nossa casa”, conclui.
Sem pressa de chegar
Ao lado da esposa, a brasilense Julia, de 36 anos, André desfruta
plenamente de cada parte do caminho. “Saímos do Brasil por Jaguarão, em outubro
de 2019, voltando ao Uruguai para conhecer outras partes do país, que não havíamos
conhecido 5 anos atrás e também rever amigos. Retomamos a viagem descendo em
direção ao Ushuaia chegando lá, 56 dias após deixar nosso país”, acrescenta sobre os,
aproximadamente, 5 mil quilômetros percorridos até chegar ao destino principal.
A chegada ao fim do mundo
“Quando iniciamos o projeto desta viagem, explicávamos que havíamos
vendido tudo que tínhamos e que iríamos viver no carro para dar a volta ao
mundo numa aventura de dez anos. Isto assustava muito as pessoas e gerava uma
ansiedade muito grande em nós. Assim resolvemos dividir o planejamento. Onde a
primeira fase inclui Ushuaia e Alasca. Ligando os dois extremos (Sul e Norte) da
América. Destino feito pela grande maioria dos viajantes”, narra o geógrafo.
A passagem pelo Ushuaia e a chegada ao chamado ‘fim do mundo’, fizeram
parte do percurso até o Chile, país onde ingressaram em 6 de fevereiro. A passagem
por várias cidades e a travessia de barco até a Ilha de Chiloé, levou o casal
até a rota dos vulcões e lagos. Onde seguiram subindo até março, quando fizeram
uma pausa no dia 12 de março, para encontrar com a família de Julia, que vinda
de Brasília, os aguarda em Santiago.
“Neste período nossa grande preocupação eram as manifestações, uma vez
que a região passa por inúmeros conflitos internos. Não passava por nossas
cabeças o Covid-19 e toda esta situação que estamos vivendo agora, pois até o
momento tudo estava muito restrito a China”, relembra André.
Fronteiras fechadas
Três dias depois chegou à notícia de que a Argentina havia fechado
suas fronteiras, fato que deu inicio a grande preocupação: como seguir viagem? Na
mesma data em que a mãe e irmã de Julia conseguiram voar de volta para o
Brasil, o casal esteve pessoalmente no Consulado brasileiro de Santiago a fim
de obter mais informações sobre o que realmente estava acontecendo.
“Levamos um grande susto, pois no primeiro momento em que chegamos ao
local, dois seguranças barraram nossa entrada na porta, usando máscaras e
luvas, além de portas termômetros”, conta o viajante sobre o impasse que só foi
resolvido com a chegada da responsável pelos atendimentos.
Exposta a situação, a resposta recebida foi de que o Consulado não
poderia auxiliar em coisa nenhuma e que a única alternativa seria a de procurar
a Polícia Federal do Chile. “A partir deste momento não entendi mais nada, pois
o conceito de Embaixada é que a mesma se encarrega das tratativas entre
governos, enquanto o Consulado trata da intermediação entre o governo e o povo.
Papel que na prática não estava sendo desempenhado”, lamenta.
Saindo da cidade, com direção ao norte, na região de Coquimbo, os
brasileiros deixaram para trás o maior foco de contaminação do Coronavírus, que
vem sendo registrado na área metropolitana de Santiago.
Os contatos com o Consulado seguem sendo realizados por meio
eletrônico, mas sem êxito. “O único apoio recebido até o momento são orientação
para que a gente pegue um avião, comprando passagens áreas da Latam, a fim de
retornar ao Brasil, deixando o carro aqui. Problema que só poderá ser resolvido
mais adiante”, explica André sobre o impasse vivido.
No limite
Em La Serena, o casal segue com permanência válida até 6 de maio,
tendo como única perspectiva a conversa verbal que o Consulado afirma que vem
mantendo com o diretor nacional de aduanas no Chile. “Nada documentado. Nada
garantido. Nenhum feedback. E, assim estamos tendo que buscar com nossas
próprias pernas, correr atrás de uma solução para não perder nossa casa, que é
o nosso carro. Tudo que nós temos hoje”, desabafa o marido.
Uma vez que o carro, pelas leis chilenas, tenha a permanência vencida
no país, ele precisa sair e voltar, para ter sua estabilidade renovada,
ganhando mais três meses. Solução impossibilidade pelo fechamento das
fronteiras que segue mantido.
“Estamos buscando outros meios para renovação. Caso isto não aconteça,
o carro fica ilegal no Chile, podendo ser multado. Sistema que não sei como
funciona”, explica a respeito do veículo que pode ser apreendido e por falta de
recursos para quitação, ir a leilão.
Peru, Bolívia e Argentina, países fronteiros com o Brasil, seriam uma
alternativa para os viajantes, porém nenhum dos três libera a passagem. “Como geógrafo
já montei uma rota e estudei as possibilidades. Sei que se conseguíssemos uma
documentação para adentrar pela Argentina, rodaríamos 1.600 quilômetros dentro
deste país, até Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, nossa fronteira mais próxima”,
explica o brasileiro.
Pausa no projeto
Por conta de todos estes acontecimentos e da incerteza do que está por
vir, André e Julia, optaram por pausar o projeto de viagem pelo mundo e retornar
ao Brasil. Onde pretendem se restabelecer financeiramente, para num futuro
próximo poder dar continuidade a aventura iniciada em 2019.
Fotos: arquivo pessoal André Jardim e Julia Prates
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