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Um ano de silêncios e dor em Santa Maria



Não perdi nenhuma pessoa próxima na tragédia da Boate Kiss, mas isto não impediu que esta dor se tornasse um pouco minha também. É um luto sincero que compartilho com cada família vitimada pelo sistema brasileiro do “não dá nada”. Que deu. Uma batalha que tomo parte pedindo mais respeito à vida e ao sangue inocente derramado. Pelo desespero de quem tentou fugir e morreu preso aos interesses egoístas de meia dúzia. Pelo quarto empoeirado, a página não atualizada, o livro inacabado, a aula não frequentada, a cadeira vazia, toda uma mocidade desperdiçada. Perdida em vão.

Lembro daquela manhã no litoral. O domingo de sol na praia perdeu toda a cor ao me deparar com a notícia da morte de quase 150 jovens. O número subia. A tristeza aumentava. Tudo ficou pesado.
Enquanto caminhava perplexa pela beira da Lagoa, observa as pessoas e todas pareciam mudas. Foi um dia silencioso. Diferente. De uma forma ou outra, todos sentiam o mesmo que Santa Maria. A dor não era nossa, mas a compramos. Vestimos o luto por sermos pais, mães, tios, avós, colegas e amigos de gente da mesma idade. Sofremos porque já vivemos a juventude. Já amanhecemos na rua por uma boa festa. Sem nunca uma fumaça tóxica invadir nossos pulmões.

Ainda hoje não busquei pela história de cada vitima. Acompanhei alguns fatos pelos jornais e televisão, mas com o perfil e o que deixaram para trás não tive coragem para acessar. Eu sei o que se sonha quando se tem entre 18 e 25 anos. Não preciso de um portal de notícias para me contar. Conheço os planos de quem ingressa numa faculdade em busca de qualificação e realização profissional. Entendo o que leva as pessoas a procurarem diversão no sábado a noite. Já tive a idade de praticamente todos os mortos de Santa Maria, mas eles nunca terão a minha. Ir atrás das particularidades de cada vida extinta é cavoucar numa ferida que por si só irá demorar a cicatrizar.
É apenas o primeiro aniversário desta tragédia que como outras barbáries, marca a história da humanidade motivada pelo o que o ser humano tem de pior: a ganância.
   
Que possamos não apenas chorar e nos lamentar pela morte das vitimas da madrugada de pesadelo em Santa Maria, façamos diferente. Façamos diferença. Não coloque seu interesse acima do bem comum, não sonegue, não camufle, não fure a fila. Plante o bem!

Assim como eu, erga suas mãos e agradeça aos céus por nenhum dos seus queridos comporem esta gigantesca lista de sonhos que tiveram fim, mas ore também pelos pais que perderam o bem maior que possuíam, contrariando a própria lei da vida.

Lembre-se: ontem foi com os santa-marienses, mas nada impede que amanhã seja em nossa cidade. Com nossos jovens. Os órgãos fiscalizadores, os carimbadores que liberam, e as políticas ‘cegas’ são as mesmas, mas os filhos da próxima vez podem ser os nossos!  

Pessoas irresponsáveis, que visam apenas lucro e querem fama e poder a qualquer preço matam centenas apenas com o uso de uma caneta.

Não compactue com fraudes. A culpa pode ser sua. O luto também.


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Você não deve dar crédito aos meus devaneios, Nem dizer que são feios os rabiscos que eu chamo de poesia. Você tem que continuar agindo com calma, Sem se preocupar com todas as fantasias que habitam minha alma. Nunca falei para alguém tudo que é importante para mim, Nem do fascínio que devoto por olhos assim. Então, quando fitei pela primeira vez, este céu sem lua, Percebi que jamais dormiria sossegada querendo tê-los para mim. Teu olhar castanho, que mostra teu ar tristonho, Nunca me falou dos sonhos teus. Mas despertou o brilho adormecido dos meus. Só te peço que não me judie, que não negue teu amor para mim. Eu não saberia amar outros olhos. Outros olhos assim. Porto Alegre, 27 de novembro, de 2001. Conheça a página  Jornal de Ideias Comunicação Digital   e con fira de perto todo  o trabalho realizado pela profissional que atua na produção dos conteúdos deste blog. Não é permitido reproduzir texto, imagem ou qualquer outro tipo de produção intelectual de um blog, sem a devida autori