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Ainda Uma Vez Adeus

Poema de Gonçalves Dias


 I 

Enfim te vejo! - enfim posso, 
Curvado a teus pés, dizer-te, 
Que não cessei de querer-te, 
Pesar de quanto sofri. 
Muito penei! Cruas ânsias, 
Dos teus olhos afastado, 
Houveram-me acabrunhado 
A não lembrar-me de ti! 
  II 
Dum mundo a outro impelido, 
Derramei os meus lamentos 
Nas surdas asas dos ventos, 
Do mar na crespa cerviz! 
Baldão, ludíbrio da sorte 
Em terra estranha, entre gente, 
Que alheios males não sente, 
Nem se condói do infeliz! 
  III 
Louco, aflito, a saciar-me 
D'agravar minha ferida, 
Tomou-me tédio da vida, 
Passos da morte senti; 
Mas quase no passo extremo, 
No último arcar da esperança, 
Tu me vieste à lembrança: 
Quis viver mais e vivi! 
  IV 
Vivi; pois Deus me guardava 
Para este lugar e hora! 
Depois de tanto, senhora, 
Ver-te e falar-te outra vez; 
Rever-me em teu rosto amigo, 
Pensar em quanto hei perdido, 
E este pranto dolorido 
Deixar correr a teus pés. 
  V 
Mas que tens? Não me conheces? 
De mim afastas teu rosto? 
Pois tanto pôde o desgosto 
Transformar o rosto meu? 
Sei a aflição quanto pode, 
Sei quanto ela desfigura, 
E eu não vivi na ventura... 
Olha-me bem, que sou eu! 
 VI 
Nenhuma voz me diriges!... 
Julgas-te acaso ofendida? 
Deste-me amor, e a vida 
Que me darias - bem sei; 
Mas lembrem-te aqueles feros 
Corações, que se meteram 
Entre nós; e se venceram, 
Mal sabes quanto lutei!
  VII 
Oh! se lutei!... mas devera 
Expor-te em pública praça, 
Como um alvo à população, 
Um alvo aos dictérios seus! 
Devera, podia acaso 
Tal sacrifício aceitar-te 
Para no cabo pagar-te, 
Meus dias unindo aos teus? 
 VIII 
Devera, sim; mas pensava, 
Que de mim t'esquecerias, 
Que, sem mim, alegres dias 
T'esperavam; e em favor 
De minhas preces, contava 
Que o bom Deus me aceitaria 
O meu quinhão de alegria 
Pelo teu, quinhão de dor!
  IX 
Que me enganei, ora o vejo; 
Nadam-te os olhos em pranto, 
Arfa-te o peito, e no entanto 
Nem me podes encarar; 
Erro foi, mas não foi crime, 
Não te esqueci, eu to juro: 
Sacrifiquei meu futuro, 
Vida e glória por te amar! 
   X 
Tudo, tudo; e na miséria 
Dum martírio prolongado, 
Lento, cruel, disfarçado, 
Que eu nem a ti confiei; 
"Ela é feliz (me dizia) 
"Seu descanso é obra minha." 
Negou-me a sorte mesquinha... 
Perdoa, que me enganei! 
  XI 
Tantos encantos me tinham, 
Tanta ilusão me afagava 
De noite, quando acordava, 
De dia em sonhos talvez! 
Tudo isso agora onde pára? 
Onde a ilusão dos meus sonhos? 
Tantos projetos risonhos, 
Tudo esse engano desfez! 
   XII 
Enganei-me!... - Horrendo caos 
Nessas palavras se encerra, 
Quando do engano, quem erra. 
Não pode voltar atrás! 
Amarga irrisão! reflete: 
Quando eu gozar-te pudera, 
Mártir quis ser, cuidei qu'era... 
E um louco fui, nada mais! 
 XIII 
Louco, julguei adornar-me 
Com palmas d'alta virtude! 
Que tinha eu bronco e rude 
C'o que se chama ideal? 
O meu eras tu, não outro; 
Stava em deixar minha vida 
Correr por ti conduzida, 
Pura, na ausência do mal. 
   XIV 
Pensar eu que o teu destino 
Ligado ao meu, outro fora, 
Pensar que te vejo agora, 
Por culpa minha, infeliz; 
Pensar que a tua ventura 
Deus ab eterno a fizera, 
No meu caminho a pusera... 
E eu! eu fui que a não quis! 
      XV 
És doutro agora, e pr'a sempre! 
Eu a mísero desterro 
Volto, chorando o meu erro, 
Quase descrendo dos céus! 
Dói-te de mim, pois me encontras 
Em tanta miséria posto, 
Que a expressão deste desgosto 
Será um crime ante Deus! 
    XVI 
Dói-te de mim, que t'imploro 
Perdão, a teus pés curvado; 
Perdão!... de não ter ousado 
Viver contente e feliz! 
Perdão da minha miséria, 
Da dor que me rala o peito, 
E se do mal que te hei feito, 
Também do mal que me fiz! 
      XVII 
Adeus qu'eu parto, senhora; 
Negou-me o fado inimigo 
Passar a vida contigo, 
Ter sepultura entre os meus; 
Negou-me nesta hora extrema, 
Por extrema despedida, 
Ouvir-te a voz comovida 
Soluçar um breve Adeus! 
      XVIII 
Lerás porém algum dia 
Meus versos d'alma arrancados, 
D'amargo pranto banhados, 
Com sangue escritos; - e então 
Confio que te comovas, 
Que a minha dor te apiade 
Que chores, não de saudade, 
Nem de amor, - de compaixão. 

Comentários

  1. maravilhoso....
    passei por aqui.... quero ler seus textos....
    vá me visitar.... tb estou te seguindo....
    bjins literários,
    Simone Guerra

    http://paracruzaroatlantico.blogspot.com.br/

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Olhos assim

Você não deve dar crédito aos meus devaneios, Nem dizer que são feios os rabiscos que eu chamo de poesia. Você tem que continuar agindo com calma, Sem se preocupar com todas as fantasias que habitam minha alma. Nunca falei para alguém tudo que é importante para mim, Nem do fascínio que devoto por olhos assim. Então, quando fitei pela primeira vez, este céu sem lua, Percebi que jamais dormiria sossegada querendo tê-los para mim. Teu olhar castanho, que mostra teu ar tristonho, Nunca me falou dos sonhos teus. Mas despertou o brilho adormecido dos meus. Só te peço que não me judie, que não negue teu amor para mim. Eu não saberia amar outros olhos. Outros olhos assim. Porto Alegre, 27 de novembro, de 2001. Conheça a página  Jornal de Ideias Comunicação Digital   e con fira de perto todo  o trabalho realizado pela profissional que atua na produção dos conteúdos deste blog. Não é permitido reproduzir texto, imagem ou qualquer outro tipo de produção intelectual de um blog, sem a devida autori